É dura como aço. Viveu dando-se
sempre aos outros em primeiro lugar. Ela vinha em último se alguma vez chegou a
vir. Tratou dos seus velhos, não como um fardo mas com a certeza do que é, sem
receios ou medos que a impedissem.
Para nós tinha uma missão
primordial: estudar, saber, tirar um curso. Nunca deixou que se questionasse
este futuro. Por ser tão certo, aconteceu! Não me lembro de grandes festas de
licenciaturas, de grandes abraços efusivos por estar a acontecer. Era o teu
destino. Ponto! Cumpriu-se!
A ternura da minha mãe media-se
em gestos e em acções. Nada de frases piegas, nada de mimimis. Amo-te, faço
tudo por ti e tu sabes porque quando me pedes algo, eu fecho os olhos e deixo
que aconteça. Por vezes, acompanho-te e vivo também os teus sonhos.
Implacável com o saber ser! Uma
série de adjectivos saídos em rajada faziam qualquer um de nós voltar à linha.
Que relice, dizia ela. E nós queríamos acabar com a relice dela.
Gostava de flores mas no jardim.
Nada de ramalhetes como eu gostava de distribuir por toda a casa. As flores são
para crescer e não para definhar em jarras por cima da lareira. E todos os
domingos as regava para que permanecessem viçosas.
É dura a minha mãe. Já não há
mães como ela! Toda a força com que empurramos a vida vem dali! Choramos de vez
em quando, aliviamos as dores mas continuamos dando aos nossos o que aprendemos
com ela.
Criou cimento entre nós sem saber
dos livros como se faz. Vivemos tanta coisa juntos, envolveu-nos tanto nos seus
dias que ainda hoje, em tudo o que fazemos, ela está ainda lá connosco.
Foi mulher de trabalho. Árduo,
duro mas sempre com sentido.
Foi mulher de saudades que lhe
partiam o coração mas que escondia só para ela.
Quando o meu pai partiu penso que
desistiu de resistir! Abandonou-se!
Os seus velhos tinham partido
todos e agora o seu companheiro de uma vida, a sua paz fora do corpo, tinha ido
também.
Começou aí o seu desinteresse
pela vida e chegou até hoje. Em confinamento, num lar onde não há visitas. A
demência apagou memórias mas lá no fundo dela própria sabe quem é!
Apagou-se o seu olhar inquisidor de
outros tempos. Aquele olhar ao qual nada se podia esconder. Ficou a mansidão de um olhar triste, sem
interrogações, porque já não há nada que queira saber.
Ainda nos reunimos os três, de vez
em quando, à lareira da casa de sempre. Numa das últimas vezes entre conversas
de memórias que só nós conhecemos, eu juro que a vi lá à mesa com o pai e a vi
a rir das graças que se diziam. Devia ter prá aí 60 anos.
Na véspera dos meus 60 anos, este
texto sobre a mãe andava a borbulhar no meu coração.
Será o teu exemplo que me
conduzirá nesta nova década.
Mãe! Já não há mães coragem como tu!
Devo-te tudo!