quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

A minha mãe

 


É dura como aço. Viveu dando-se sempre aos outros em primeiro lugar. Ela vinha em último se alguma vez chegou a vir. Tratou dos seus velhos, não como um fardo mas com a certeza do que é, sem receios ou medos que a impedissem.

Para nós tinha uma missão primordial: estudar, saber, tirar um curso. Nunca deixou que se questionasse este futuro. Por ser tão certo, aconteceu! Não me lembro de grandes festas de licenciaturas, de grandes abraços efusivos por estar a acontecer. Era o teu destino. Ponto! Cumpriu-se!

A ternura da minha mãe media-se em gestos e em acções. Nada de frases piegas, nada de mimimis. Amo-te, faço tudo por ti e tu sabes porque quando me pedes algo, eu fecho os olhos e deixo que aconteça. Por vezes, acompanho-te e vivo também os teus sonhos.

Implacável com o saber ser! Uma série de adjectivos saídos em rajada faziam qualquer um de nós voltar à linha. Que relice, dizia ela. E nós queríamos acabar com a relice dela.

Gostava de flores mas no jardim. Nada de ramalhetes como eu gostava de distribuir por toda a casa. As flores são para crescer e não para definhar em jarras por cima da lareira. E todos os domingos as regava para que permanecessem viçosas.

É dura a minha mãe. Já não há mães como ela! Toda a força com que empurramos a vida vem dali! Choramos de vez em quando, aliviamos as dores mas continuamos dando aos nossos o que aprendemos com ela.

Criou cimento entre nós sem saber dos livros como se faz. Vivemos tanta coisa juntos, envolveu-nos tanto nos seus dias que ainda hoje, em tudo o que fazemos, ela está ainda lá connosco.

Foi mulher de trabalho. Árduo, duro mas sempre com sentido.

Foi mulher de saudades que lhe partiam o coração mas que escondia só para ela.

Quando o meu pai partiu penso que desistiu de resistir! Abandonou-se!

Os seus velhos tinham partido todos e agora o seu companheiro de uma vida, a sua paz fora do corpo, tinha ido também.

Começou aí o seu desinteresse pela vida e chegou até hoje. Em confinamento, num lar onde não há visitas. A demência apagou memórias mas lá no fundo dela própria sabe quem é!

Apagou-se o seu olhar inquisidor de outros tempos. Aquele olhar ao qual nada se podia esconder. Ficou  a mansidão de um olhar triste, sem interrogações, porque já não há nada que queira saber.

Ainda nos reunimos os três, de vez em quando, à lareira da casa de sempre. Numa das últimas vezes entre conversas de memórias que só nós conhecemos, eu juro que a vi lá à mesa com o pai e a vi a rir das graças que se diziam. Devia ter prá aí 60 anos.

Na véspera dos meus 60 anos, este texto sobre a mãe andava a borbulhar no meu coração.

Será o teu exemplo que me conduzirá nesta nova década.

 Mãe! Já não há mães coragem como tu!

Devo-te tudo!

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