Este ano, em Agosto passámos 15 dias perto da mãe. Tem 86 anos, uma demência instalada e pensar que podem ser os seus últimos Verões faz-me correr para junto dela para que se sinta acompanhada, para que o calor da família seja um doce, um presente. Um bombom, uma taça de arroz doce, uma carícia e o sorriso dela. Foram assim os meus dias. De manhã e à tarde passava umas horas com ela e revivíamos os tempos muito antigos que só nós as duas conhecíamos. Só eu e os meus irmãos podemos fazer com ela as conversas do antigamente. Podemos trazer para o presente os pormenores das ameixas rainhas cláudias que já estão maduras, as escavaterras que comem as plantas, a horta que está bonita e viçosa, a madrinha que está bem disposta e o pai dela que não pode ir visitá-la porque a profissão o não permite com a chegada do outono e o aumento do trabalho. Só nós podemos falar da roupa lavada no tanque de granito e do seu estender na seara cortada, curtida pelo sol. Só nós podemos fazê-la rir com as histórias que aconteceram há 50 anos!!
As ameixas já não existem, a horta transformou-se em relvado, a madrinha faleceu quando eu tinha dois anos, o avô faleceu quando eu tinha seis anos e a máquina de lavar fez com que as ervas tapassem, quase na totalidade, o tanque da lavagem.
Sair dali ao pôr do sol e voltar ao presente, à necessidade de jantar, estudar, fazer projectos tornou-se muito cansativo e desgastante.
Viver duas vidas, uma real (será?) e outra que, apesar de vivida por nós como família, já não existe!
Este reviver levou-me à infância, ao tempo em que tudo era possível, em que pai e mãe eram as nossas referências e contávamos com eles para tudo. Levou-me aos risos sobre as desgraças, ao optimismo do meu pai, aos dias de neve e de Inverno que me moldaram o ser.
Agora, somos só os três irmãos e a mãe de quem temos de cuidar. A mãe que me chama irmã mas que quando se ri para mim ainda sinto que me reconhece o ser, o que sou, o que penso e quanto a amo.
Eu sabia que vivia dias que iriam deixar uma marca em mim!! E deixaram!
Penso no sentido da vida, no tempo que passa e não volta, na necessidade de estreitar com toda a força os laços que nos unem porque só eles serão capazes de servir de fio condutor ao amor escondido atrás de uma demência que nos rouba, em cada dia, um pedacinho de quem amamos.