terça-feira, 18 de outubro de 2011

A minha professora não era a Cruella mas quase!


A minha mãe sempre foi um pouco obcecada pelos estudos dos filhos! Naquele tempo, não era permitido entrar para a 1ª classe com menos de 7 anos. Mas a minha mãe considerava este facto uma perda de tempo e lá fui eu, com 6 anos, para casa da madrinha, que vivia e dava aulas numa escola masculina a 30 kms do Porto. A ideia era ficar até Fevereiro, altura em que fazia os sete anos, e regressava para o colo materno e para a escolinha onde as professores e professores eram todos primos.
Foi uma experiência muito mas mesmo muito traumatizante! Vi-me de um momento para o outro num local estranho, onde não conhecia ninguém, numa escola onde só havia rapazes desconhecidos, descalços, com uma linguagem cheia de palavrões e duas professoras que levavam a severidade a níveis inimagináveis hoje em dia, sempre com a conivência dos pais e mães que ouvindo os gritos dos filhos vindos da sala de aula e o som das reguadas se assomavam à janela para dizer:
-Chegue-lhe mais D. Maria Cândida! Faça dele um homem!!
Eu, habituada à doçura de outra escola e ao riso terno da Prima Laura, tremia por dentro e por fora.
Coube-me como professora uma solteirona, seca e negra, com os traços de rosto evidenciando frustações pouco digeridas, muita insensibilidade e muita malvadez. Até o nome era seco:Idalina!
Já sabia ler e escrever desde os cinco anos ensinada pelo avô Américo com toda a ternura e toda a paciência.
No meio daquele ambiente esqueci tudo: O quadro era todo negro e as letras e números bailavam na minha frente uma dança que eu deixei de compreender!
- A pequena é mesmo burra, Maria Cândida! Esta não é como os irmãos!
E o lanche custava a engolir e as lágrimas caíam ali sentada nos intervalos junto às professoras que comentavam em voz alta as minhas incapacidades. E à noite chorava muito.
A coisa ficou de tal modo agudizada e os meus berros atingiram tais decibéis que, em Novembro, regressei a casa com o "atestado" de burrice e de grande dificuldade para letras e números.
Como já tinha entrado na 1ª classe, foi mais fácil regressar à escola e ao aconchego da professora Laura. Em voz baixa a minha mãe confidenciou-lhe: Esta não é como os irmãos! Tem dificuldade!
Mas, rodeada por tudo o que conhecera e me aconchegara até ali, as letras e os números do quadro negro voltaram a fazer sentido e o bailado do saber voltou a encantar-me. Foi mágico! Lembro-me muito bem da felicidade que senti nesses primeiros tempos de escola, a minha verdadeira escola!
Sempre que encontro alunos perdidos no mundo e com dificuldade de aprendizagem, vem-me à memória este tempo da meninice. Sei o que senti e o que eles sentem e tento levá-los, sempre que possível, ao encontro do aconchego materno, do mundo que conhecem e amam e da "escola da D. Laura" !

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