sábado, 13 de junho de 2015

Coisas cómicas ( embora não parecendo)


A minha mãe, quando éramos pequenos, recitava bastas vezes este poema. Fazia-o de tal maneira que eu acabava sempre a chorar com pena da menina que chorava  a mãe. Ainda hoje imagino o cenário que visualizava na altura e ainda hoje se me aperta o coração de pena.
Quando a mãe começou a perder a memória, pedi-lhe para escrever o que ainda sabia do poema que tantas vezes recitara. Já escreveu pouco! Pensava eu ser uma daqueles poemas populares que passam  de geração em geração e cuja origem se tinha perdido no tempo. Fiquei com  muita pena de não o ter.
Recentemente, encontrei-o assim, inteirinho,na net, saído da pena de um poeta consagrado. 

Infância e Morte 

  "Ó mãe, o que fazes? em cama tão fria
"Não durmas a noite... saiamos d'aqui...
"Acorda! não ouves a pobre Maria,
"Pequena, sozinha, chorando por ti?

"Porque é que fugiste da nossa morada,
"Que alveja saudosa no monte d' além?
"Depois que tu dormes na terra gelada,
"Quão só ficou tudo, mal sabes, ó mãe!

"A nossa janela não mais foi aberta,
"O fogo apagou-se na cinza do lar,
"As pombas são tristes, a casa deserta,
"E as flores da Virgem se vão a murchar.

"Oh! vamos, não tardes... mas tu não respondes...
"Em vão todo o dia meu pranto correu;
"No fundo da cova teu rosto me escondes,
"Não ouves, não falas... que mal te fiz eu?

"Escuta! na torre de frestas sombrias
"O sino da ermida começa a tocar...
"Acorda! que o toque das Ave-Marias
"À imagem da Virgem nos manda rezar.

"A lâmpada exausta de Nossa Senhora
"Ficou apagada, precisa de luz:
"Oh! vem acendê-la, e à Mãe que se adora
"Ali rezaremos e ao Filho na cruz.

"Depois à costura, sentada a meu lado,
"Tu hás-de contar-me, bem junto de mim,
"Aquelas histórias dum rei encantado,
"De fadas e mouras, d'algum querubim.

"A d'ontem foi triste, pois triste falavas
"De vida e de morte, dum mundo melhor;
"E o rosto cobrias, e muda choravas,
"Lançando teus braços de mim ao redor.

"Depois em silêncio teus olhos fechaste,
"Tão pálida e íria qual nunca te vi;
"Chamei-te era dia, mas não acordaste,
"E enquanto dormias trouxeram-te aqui.

"oh! vamos, não tardes, que as noites sombrias,
"Sem ti a meu lado me causam pavor!
"Acorda! que o toque das Ave-Marias
"Nos diz que rezemos à Mãe do Senhor."

Tais eram as queixas da pobre Maria...
O sino da ermida cessou de tocar...
E a mãe entretanto dormia, dormia;
Do sono da morte não pôde acordar.

Três dias, três noites a filha sozinha
No adro da igreja por ela chamou...
No fim do terceiro já forças não tinha;
Da mãe sobre a campa, gemendo, expirou...

SOARES DE PASSOS  - expoente máximo do Ultra-Romantismo em Portugal.

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