quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Ontem, fui ver a mãe

 Os meus pais noutros tempos. A mãe ainda em recuperação da colocação de uma prótese. Éramos felizes sem o saber.

Talvez não devesse partilhar isto mas conheço tanta gente a sofrer com esta situação que talvez a partilha seja uma forma de exorcizar o medo. Mais o nosso que o deles.
Sentimentos profundos, recalcados, vêm ao de cima! Vê-la assim e não poder fazer nada! Começa uma frase e não consegue dizer o que pensa ou  o que sente. Resta só o afago, a mão na mão, os meus olhos nos olhos mortiços dela que se fecham devagarinho pela tarde adiante embalada pelas minhas conversas de uma vida que já não lhe diz nada. Falei, cantei e deixei-a a jantar rodeada pelas suas gentes, por todos aqueles que viveram a vida lado a lado e têm recordações comuns de outros tempos. As outros, os mais novos, (da minha idade), os cuidadores lembra-lhes a sensatez, a tenacidade, a verticalidade da mãe noutros tempos  e interrogam-se, em conversas comigo e olhando para  ela, onde também nós chegaremos.
Regressar ali é regressar um pouco à minha infância, às minhas amigas da escola primárias muitas delas agora a cuidar da minha mãe. É lembrar tardes soalheiras, brincadeiras e trabalhos de meninos que, sendo pouco, quem o perde é louco. Foi sempre assim por aquelas bandas. O trabalho como parte importante da vida. 
A mãe não olhou para mim quando saí. Ficou direita, à mesa de  jantar e eu morri um pouco ali. Continuei a morrer estrada fora, olhos na estrada e o coração lá longe, muito longe, noutros tempos em que o chegar era sempre a felicidade. 
Esta vida é tramada!


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