domingo, 6 de abril de 2025

Coisas que me lembram

 


Quanto mais o tempo passa mais valor dou à educação que os meus pais nos  deram. Foi uma educação integral baseada no valor do trabalho, no respeito pelo mais fraco, na verdade,  na importância do amor familiar e ainda  um grande respeito por cada um de nós e pelas nossas personalidades tão diferentes. Apreciavam-nos embora tivéssemos diferentes maneiras de estar na vida e de pensar. 

Tudo o que sou e como penso, o devo a eles! 

Na quaresma, a minha mãe mandava-me sempre comprar a Bula a casa do padre. Para os mais novos que não conhecem, pagava-se uma quantia que nos libertava de não poder carne às sextas feiras. O papel era bonito, lavrado a ouro e tenho pena de que nenhum desses documentos tenha chegado até ao presente. A minha mãe sabia o que fazia. Era o tempo das sementeiras quando ela tinha imensa gente a trabalhar nas terras. Tinha de os alimentar bem com grandes quantidades de hidratos e de carne para que as forças, perante trabalho tão duro, não faltassem. 

Não pensem que ela se esquecia do período da Quaresma na nossa educação. Nada disso!! O sacrifício era sempre em favor dos mais fracos, pobres ou doentes. Tínhamos que ajudar a vizinha a colocar a lenha no sótão porque o marido estava internado com tuberculose, tínhamos que ajudar nas tarefas agrícolas todas as primas e tias já com mais idade, tínhamos de aliviar a vida de quem já não podia. Esses eram os nossos sacrifícios todos os dias da quaresma. Nos outros também mas menos lembrados.

No dia em que recebi o prémio de melhor aluna do primeiro ano, ela considerou que eu devia repartir o dinheiro que não me fazia falta pelos pobres da freguesia. A minha liberdade foi escolher os pobres a quem iria dar  o meu prémio. Naquela altura, não considerei justo mas ela sempre argumentou que havia meninos que não podiam ir à escola e que eu só fazia a minha obrigação sem grandes sacrifícios e que devia agradecer a Deus a graça de ser inteligente. Ponto! 

Temos falado muito dela e dos gestos de puro amor que tinha para connosco. Ontem, ao telefone, a minha irmã contava-me que quando foi para a Guarda  estudar no Liceu foi necessário arranjar um local para ficar. Foi escolhido um lar residencial gerido por freiras. A diretora foi mostrar-lhe os dormitórios e minha mãe, vendo um dormitório enorme com cerca de vinte camas, decidiu ali que para a filha dela não servia e perguntou se não havia quartos mais pequenos. Havia mas mais caros, mas foi onde ela ficou. Ainda me ri porque a minha irmã confessou que gostaria de ter ficado no dormitório onde estavam as colegas da idade dela!! A mãe não queria confusões!! Ali ficou durante os cinco anos que viveu na Guarda até todos termos vindo viver para Coimbra. Ela entrou na universidade e eu vim estrear o ciclo preparatório Martim de Freitas onde, passados 12 anos, fiz o meu estágio profissional. Coisas da vida. 

Os nossos pais criaram muitos espaços e tempos de trabalho árduo em que os cinco tínhamos de participar. Cada um com as suas capacidades mas sempre para o bem comum. Estes momentos deram-me um sentimento de pertença muito grande. 

Deixavam-nos dar asas à nossa criatividade. Quando se remodelou a casa de família o pai deixou que fosse eu a escolher os revestimentos. Vieram comigo a Coimbra, num quente dia de Agosto, mas fui eu que combinei e escolhi tudo!! Ainda são os mesmos e continuam a ter estilo.

Não foram pais castradores, mandões, manipuladores. Só tínhamos que cumprir as regras que eram bem claras e estava tudo bem!

Queridos Pais. Muito à frente da vossa época!

O que eu daria para vos ter aqui comigo!

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