terça-feira, 21 de junho de 2011

Apetece-me partilhar

No meio da Serra da Estrela, num vale que o Mondego banha e que no Verão ondula o seu amarelo trigueiro ao vento que corre de mansinho, existe um local mítico para mim - a capela da Sra de Assedasse. Pequenina e bucólica, permanece sozinha e pensativa à sombra de duas ou três árvores quase centenárias. Lá dentro, a imagem da Virgem com o Menino enternece quem entra. Sinónimo de solidão nesta vastidão de espaço e de tempo fustigada, as mais das vezes e dos dias, pela chuva e neve que se instalam sem permissão dos deuses. Local de cumprimento de promessas e de encontro com tudo aquilo que, no dia a dia apressado, tentamos esconder e esquecer - a nossa espiritualidade. Da aldeia até lá, vão quilómetros de estradas, calçadas romanas ou veredas, sempre a subir até ao alto e depois em declive suave embalados pelo silêncio dos grandes espaços. Tudo convida à reflexão, ao pensar na vida e nas coisas. Do Cruzeiro, a meio do declive, até lá, reza-se o terço, implora-se à Virgem que nos proteja e agradecem-se as graças concedidas. Era assim há muitos anos e continua a ser como se a solidão da Virgem perdida no vale fosse sinónimo de atenção redobrada ao que nós, simples mortais, pedimos. Virgílio Ferreira descreveu-a numa das suas obras. Para mim, a Sra da Assedasse é um encontro desejado com tudo o que sou. Lembra-me a minha mãe que todos os anos, pelo início do Verão, lá ia agradecer o bom aproveitamento dos filhos que ela atribuía um bocadinho à protecção da Virgem! Lembra-me os piqueniques de Setembro na romaria anual e o pó das estradas  levantado pelas camionetas carregadas de gente e de alegria. Lembra-me as histórias contadas pelo meu pai de um enforcado que,já farto da vida, encontrou naquele local o ambiente propício para se despedir do mundo. Lembra-me os lobos e o seu uivar que tanto medo incutiram à minha meninice. Lembra-me o barulho da água a correr de pedra em pedra de um Mondego ainda pequeno e gracioso onde abundavam as trutas luzidias. Lembra-me tanta coisa! Lembra-me a mim e a tudo o que sou e transporto comigo. Lembra-me a saudade!

Nenhum comentário: