sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Tradição

 
O Natal é também um pouco isso! E saudade! Muita!
Não há Natal sem filhoses cá em casa.  Fazê-las é regressar à infância e a todas as peripécias à volta delas. A minha mãe fazia-as na lareira. Com um pano branco sobre as pernas, estendia a massa de modo a que ficassem fininhas. A minha função era virá-las no óleo mas não as podia picar com o garfo! Ficava feio dizia ela!
Havia um prato grande e fundo onde eram colocadas às camadas. Duravam uma semana ou mais tal era a quantidade. Lá para o fim, como já estavam duras, fazíamos torradas com elas  para o pequeno almoço.
Depois a madrinha Amélia que, no tempo de Natal ficava sozinha porque o marido ia para Lisboa ajudar os tios a fazer os embrulhos de Natal na loja dos brinquedos e só regressava em Janeiro, pedia ajuda porque, para ela, este era um trabalho de equipa. E íamos para a sua grande cozinha onde já estavam as primas Espírito Santo e D. Laura para começar a amassá-las. Mas, vá-se lá saber porquê, a massa não crescia! Todos os anos era a mesma coisa! E ali andávamos com o alguidar ora para a lareira, ora para o fogão, acrescentando ingredientes que no final resultavam numas filhoses nada parecidas com as originais. Uma comédia que durava até altas horas da noite!
A minha avó paterna que era irmã da madrinha Amélia,  nunca teve muita queda para a cozinha! As filhoses dela eram enoooormes! E  colocava-as numa panela de esmalte com tampa vá-se lá saber porquê! Ninguém gostava daquelas filhoses, um pouco atamancadas, mas eu adorava-as e nas visitas das festas aguardava ansiosamente a pergunta:
-Queres uma filhós?
E da panela saía uma filhós espalmada, grande, redonda, que me sabia muito  bem!
No dia 24 saíam lá de casa pratos de filhoses para os pobres da freguesia e eu participava sempre na tarefa. Um dia de consoada, lá pelas três da tarde, fomos, eu e os meus irmãos, até casa de uma amiga da minha mãe que vivia perto da ribeira num sitio já longe da aldeia para levar um prato de filhoses. Havia neve e estava muito frio. E foi muito difícil regressar a casa porque os pés se enterravam e a neve gelada nos feria as pernas desprotegidas. Chegámos já a noite caía e ficou para sempre a recordação tenebrosa de quase não conseguir chegar a casa numa noite tão importante.
Quando chega esta altura, uma força invisível  pede para eu fazer filhoses. E eu faço. O mundo mudou, o modo de fazer as filhoses também, mas carregam com elas a força das tradições e o aconchego de uma família alargada que quero preservar.



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