Hoje, já no final da tarde, um grupo de colegas falava sobre as suas infâncias passadas no estado novo em aldeias distintas do país. Eu na Serra da Estrela, outra colega em Trás-os-montes e outra ainda no centro do País.
O que era ser criança naquela altura! Uma aventura!!
Eu contava de todos os velórios a que assisti, de um deles em que se velava um corpo mirradinho e entrevado com os joelhos encolhidos de anos de cama e do meu grande problema de como se conseguiria fechar a urna. E de como eu perguntei depois do funeral:
- Como é que conseguiram fechar a urna?
Veio a resposta seca:
- Partiram-lhe as pernas!
E das colegas de escola que morriam com doenças banais, hoje em dia, como apendicite e em que toda a classe acompanhava o caixão branco transportando florinhas.
E da chegada dos soldados mortos no ultramar, das mães que vinham esperar a urna à entrada da aldeia e dos seus gritos lancinantes. E do som dos tiros no silêncio do cemitério misturado com gritos de revolta.
E das brincadeiras perigosas com 5 ou 6 anos como fazer almoços e jantares sozinhos em casa, mexendo em óleo fervente para fazer batatas fritas e saltando por cima dos telhados andando de telhado em telhado.
E os lobos de que tínhamos tanto medo. Uma delas contou que viu um e o pai lhe recomendou para não olhar e continuar andando e ela assim fez!! E das histórias de um tal eremita de que apareceram só os pés dentro das botas, todo o resto comido por alcateias famintas na neve do Inverno.
E o grito dos porcos nas madrugadas de Dezembro a morrer às mãos dos homens. Ainda hoje sonho com isso de vez em quando! E do medo que eu tinha de todos os porcos.
E perante a interrogação e o espanto colectivos de como não ficámos traumatizadas para o resto dos nossos dias perante tais vivências, uma das colegas, com um sentido de humor engraçado comentou:
-Eu até uma autopsia vi!!
-?????!!!!!! Como????
Um dia um miúdo foi atropelado na aldeia e morreu. Chegou o médico para fazer a autópsia que se realizava na pedra do cemitério onde se colocam as urnas para a última oração. Andavam por ali umas crianças que assistiram ao trabalho meticuloso do médico sem que ninguém as mandasse embora!!!! E dizia ela:
- Ainda hoje vejo as mãos do médico meticulosamente a cortar-lhe a fronte!
É um post tremendo este! Mas a infância rural de quem tem agora mais de 50 anos é cheia destes episódios macabros mas que nesta altura da vida são hilariantes para contar aos netos betinhos e nos transformar em heroínas de fábulas passadas há muito, mas mesmo muito tempo!
Perante este pequeno resumo percebe-se o título do post. Só alguém com mais de 50 anos pode perceber o que escrevo. Sem drama porque era assim e ponto final!