Depois de quase um mês após o regresso, consigo transmitir o que senti.
Eu queria muito ir! Queria estar lá e ver com os meus olhos.
Cheguei numa manhã fria e com nevoeiro. A entrada com a célebre inscrição "o trabalho liberta" foi o primeiro murro.
Dali para a frente, a emoção apoderou-se de mim. A guia ia relatando o horror que ali aconteceu e, ante mim, desfilaram os pedaços da vida de tantos milhões de pessoas. O casaquinho do bebé, o sapatinho comprado com o maior amor do mundo, os objectos que foram resgatados da intimidade do lar numa saída urgente para um destino de horror, a mala com o nome em letras grandes para que fosse possível, num futuro que nunca chegou, resgatar a identidade e a alma roubada por carrascos desumanos.
Ao entrar na câmara de gás, um silêncio aterrador desceu sobre todos. Ninguém falou, ninguém fotografou, ninguém riu. Estar ali foi transportar aos ombros toda a dor do mundo e a crueldade do ser humano. A 100 metros existia ainda a casa onde viveu o director do campo com toda a sua família. A digna esposa, descreveu num livro, o quanto era belo aquele seu lugar, chegando mesmo a compará-lo ao paraíso!! Dali, com toda a certeza, ouviam-se os gritos dos que morriam e logo que saísse de casa era impossível não se aperceber do que a rodeava. Estupidez ou crueldade pura?
De todos os relatos e evidências ressaltou a crueldade e os requintes de sadismo de quem o perpetuou. Era um ambiente de guerra, obedeciam a ordens (conforme todos justificaram logo que se sentiram ameaçados pelo final da guerra) não havia uma saída que não se pagasse com a própria morte,... e mais desculpas e desculpas.
NADA, absolutamente nada, justifica os requintes de sadismo, de falta de humanidade, de gozo puro perante o sofrimento humano, de zelo maquiavélico para que tudo fosse cumprido e executado.
E este sentimento de incompreensão permanece ainda em mim!
À saída, por entre os carris, passeava-se uma menina loira com chapéu de flores. Emocionei-me.
70 anos separam a chegada dos prisioneiros a este lugar e o caminhar para o futuro desta menina, avançando decidida num local que foi o fim para tantos inocentes.
Permito-me ficar com esta imagem,não esquecendo nunca que 70 anos é o espaço que separa o sofrimento daquele lugar, da possibilidade que eu tive de entrar, sentir e voltar a sair em liberdade.
70 anos não são nada!
É necessário estarmos atentos. Muito atentos!
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