Esta foto tem uma história engraçada. Enquanto esperávamos o internamento do pai no hospital S. José tivemos sempre este cartaz arrepiante na nossa frente! Outros tempos!
O hospital engalanado em tempo de Natal. Por aqui estivemos uma tarde inteira, sentados, à espera das notícias.
Nunca me queixo! Pelo menos em público! Aguento tudo de preferência com um sorriso nos lábios. Ninguém necessita saber da minha vontade de chorar, da minha dor no peito, dos meus medos, do meu trabalho em demasia que me dá vontade de vomitar, daquela sensação de "já nada mais interessa, vou sentar-me aqui nesta cadeira e esperar que a vida passe"!
Tive muitos e muitos momentos destes nestes últimos meses. Desde o dia, em novembro, em que o rebentamento de uma variz esófágica do meu marido com a consequente hemorragia me apanhou sozinha com ele numa qualquer área de serviço da A8. Pensei que me morria e eu ia morrendo com ele. Valeram-me os meus filhos pelo telefone que chamaram a equipa médica do INEM, (eu não conseguia!) que me acalmaram, que me sussurraram que ia tudo correr bem . Eu, só me lembrava da morte do meu avô paterno contada pela minha mãe. Tal e qual assim! Num mar de sangue!
Lembro-me ainda de ir a conduzir a alta velocidade atrás da ambulância com uma sensação pura de perda e de solidão. Chegaram os meus filhos e aqueles abraços fortes, já noite, na frente de um qualquer hospital enquanto lá dentro lhe paravam a hemorragia fizeram parar a solidão. Pelo menos essa que a aflição ficou lá na mesma. Bastava olhar para os olhos de filho mais velho, dividido entre toda a ciência que tem dentro e a vida do pai que corria perigo.
Depois, passaram-se mais 15 dias internado, eu a ir e vir, a trabalhar, a dar o meu melhor e a passar os fins de tarde no hospital a 100kms do local de trabalho. No dia 23 de dezembro foi novamente internado. O fígado tinha piorado, o cansaço era enorme e a cor era verde. Vamos estabilizá-lo, diziam. Mas não conseguiram. Em 21 de janeiro foi sujeito a um tranplante de fígado que lhe salvou a vida já presa por um fio. Foram dias e dias a continuar a trabalhar, a viver sozinha aqui por casa, a ter esperança, a não ter esperança nenhuma, a regressar a casa todas as noites a dar murros no volante e perguntar porquê a mim, porquê a nós e a chorar! Alto, muito alto, porque ninguém ouvia na solidão da auto estrada.
O Natal foi no hospital e a noite de ano novo também. O meu aniversário passei-o sozinha aqui em casa
a desejar que para o ano fosse melhor e mais participado. No dia seguinte, estava na escola. No meu posto de trabalho, com o meu melhor sorriso. Nada de misturar deveres profissionais com desesperos pessoais.
Depois, houve um dia em que regressou a casa com mil e uma recomendações que eu chamei a mim. Conciliei, mais uma vez, as horas do almoço com os banhos, com os medicamentos, com o trabalho que nunca acaba, com as dúvidas e com os dias menos bons.
O tempo foi passando. Agora tudo está mais fácil mas ainda não normal.
Ontem, marquei uma reunião da parte da tarde. Encontrei à minha espera um grupo com alguns elementos mesmo muito aborrecidos porque era 6ª feira e tinham esperado duas horas pela dita. Não podia ter sido marcada antes porque alguns deles estavam ocupados com o seu horário. Levei com má cara, com má vontade e com muita indelicadeza. Levei a coisa a brincar mas doeu-me bastante. Melhor: Muito.
Acabou a reunião que foi rápida, e ainda por lá fiquei a reviver aquilo de que me lembro dos espaços que me acolheram durante tantos e tantos anos.
Por que razão estou aqui a queixar-me publicamente? Porque a injustiça me magoa como sempre me magoou. Porque ninguém me perguntou aqui há uns tempos quantas horas eu tinha esperado para cumprir bem o meu trabalho, para estar em todas, para dar apoio e para atender a todas as solicitações dos colegas. Nunca ninguém me perguntou quantas horas andei eu de autocarro todas as semanas cá e lá para estar no meu trabalho às 9. Nunca ninguém me perguntou quantas horas de esforço para não cair, para afirmar que estava tudo bem, quando não estava, quanta coragem para sorrir quando encontrava alguém que sabia que necessitava de mim.
Direitos? Todos temos! Compaixão, nem todos.
E como já passei para lá dos 50, todas estas atitudes de gente cheia de si e com imensos direitos dá-me vontade de rir. Têm graça! Porque basta só uma valente dor de barriga! Só uma dor de barriga e estamos lixados!
Nota: É claro que houve gente boa. Muito boa! Nunca me esquecerei Vicente (apesar da tua pouca idade) da tua insistência para que fosse jantar contigo no dia do meu aniversário. Terás sempre um lugarzinho no meu coração. Gente que me fez sentir amada. Gente que esteve sempre disponível para mim. Obrigada a todos por serem como são.
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