quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Somos a criança que temos dentro


A NEVE! Dias e noite de silêncio em que o ar parece abafar todos os sons. Todos em casa. Braseira acesa. Lêem-se histórias e contam-se histórias. Chega-se a casa cedo porque o frio cortante convida ao calor da lareira. Lá fora, os cães uivam e a avó diz que sentem os lobos que descem à aldeia cheios de fome. Um arrepio toma conta de mim. A mãe faz pão no forno porque o padeiro não consegue chegar à aldeia. Procuro ainda hoje o sabor perdido desse pão quentinho com manteiga.  Os vidros ficam opacos e cheios de desenhos feitos  pelo gelo. Com as unhas raspam-se devagar para ver o manto branco que se estende serra abaixo. Continua a nevar. Um sentimento de intimidade e de colo toma conta de mim nessas noites. O pai coloca grandes troncos na lareira para que dure todo o serão. Aquece-se a água para as botijas de cobre que, sem protecção, queimam os pés. Enfiam-se nos saquinhos de lã que a avó tricotou com toda a paciência do mundo. Vai-se para a cama cedo desejando que continue a nevar pela noite dentro para que pela manhã esteja tudo ainda mais branco e nós continuemos todos dentro de casa, comendo enchidos assados nas brasas, o pão da mãe e o lombo de porco assado e conservado no azeite  com batatas cozidas que a avó fatia finamente. 
Desejando que este tempo se prolongue. 
Desejando que esse tempo não tenha passado há tantos anos.
Desejando que a neve que cai na minha serra possa trazer o silêncio, a paz, a intimidade, a família, o aconchego e a minha infância.
Desejando!

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