domingo, 24 de novembro de 2019

Coisas que me preocupam como profissional


A democracia na Escola pública está a desaparecer!! Caminhamos a passos largos para a Escola de outros tempos onde só os mais ricos e mais capazes conseguiam obter a liberdade de chegarem onde queriam.
Tenho este discurso com os meus alunos actuais e eles percebem muito bem o que eu quero dizer!
Éramos 30 na sala da minha 4ª classe. Algumas já tinham ficado pelo caminho porque, embora a escolaridade fosse obrigatória até à 4ª classe, quando a família precisava de mais braços para  o trabalho, os professores fechavam os olhos, davam-lhes tempo para arrumarem os seus pertences e lá iam! Guardo estes momentos na minha memória com um sentimento forte de injustiça e até de raiva.
Destas 30, uma pequena minoria chegou ao ensino superior. Era a vida!
Olho agora para os meus alunos, sentados desordeiramente na minha frente e interrogo-me quantos destes vão ter a liberdade de escolher o seu caminho académico e quantos destes, a quem lhes é dito que tudo é possível,  serão atirados para ruelas da vida sem retorno. 
As assimetrias sociais intensificam-se.
Tenho alunos cujos pais continuam a apostar na qualidade do ensino, vêm à Escola, velam para que as aprendizagens não sejam descuradas, preocupam-se, exigem aos filhos o que lhes foi exigido a eles, sabem muito bem que a Escola faz a diferença. Nestes alunos há sempre dúvidas, vontade de fazer melhor, preocupação em seguir regras e um respeito pela figura do professor como co-mentor dos seus destinos.
Tenho depois os alunos cujos pais ensaiam "novos trilhos educativos" que deem menos trabalho e menos aborrecimento. Escudam-se através de graças sem risos, de vidas que sonharam e não têm, de preguiça de ralhar, educar, dizer não quando é necessário. Tudo os aborrece e em tudo encalham. Não gostam de se aborrecer, muito menos com os filhos. O que é aflitivo é que têm consciência que com estas atitudes não contribuem para o sucesso dos filhos que têm debaixo de tecto. Logo se vê, dizem resignados. Estes alunos andam perdidos entre o não te rales de casa e as regras a cumprir  da escola. Revoltam-se contra esta última porque sabem que duas ou três mentiras em casa resolvem o problema de quem não se quer aborrecer. Por agora!
 E depois? Daqui por uns anos? Onde estarão estes dois grupos de alunos? Não será função de uma Escola Democrática levar uma geração a bom porto? Seguro o bastante para que, mesmo balançando, não os despeje borda fora? O que será feito, daqui a uns anos,  destes alunos que passam dias e dias sem aprender quase nada, a quem o mundo nada lhes diz, alienados por jogos de computador até às tantas da madrugada e nos intervalos entre as aulas quando deviam trocar ideias e aprender a viver com os outros? Conseguirão eles encontrar o seu caminho, mesmo sem as ferramentas essenciais que a Escola dá? Será o caminho encontrado o caminho sonhado? 
É por eles que continuo a lutar. Os meus alunos sabem que ninguém sai das minhas aulas. Tenho cumprido o prometido, muitas das vezes com algumas elevações da tensão arterial e muito respirar fundo. Tenho continuado a lutar por mudanças significativas com os pais, quando é possível, ou sem eles quando não colaboram.
Continuo a acreditar numa Escola para todos, feita por todos. Sei que exijo, mas nada que a sociedade não faça também e muitas vezes de uma forma muito cruel. Nunca exigi nada que eu não fizesse primeiro ou não fizesse. Educar pelo exemplo, sempre.
Igualdade nas oportunidades que não dependa dos outros mas só de nós! Continuo a acreditar!

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