quarta-feira, 1 de maio de 2013

E era isto que eu quereria ter escrito no post anterior!


Sessenta anos!(...) Até há pouco, ia contando. Trinta, quarenta, cinquenta...Não era a juventude, evidentemente, mas havia ainda pano para mangas. Mais vinte, mais quinze... Tempo de sobra, enfim. Agora é que toda a ilusão se desvaneceu. Nem quarteirão, nem dúzia. Inexorável, a razão apenas me promete a decadência e o desenlace, no molho amargo de que tudo está feito e por fazer. É essa, de resto, a grande lição de humildade que a vida nos dá, se a esclerose não lavrou de mais e consente ao espírito o resgate duma lúcida contricção. Vamos seguindo confiados pela estrada fora. De repente, olhamos para trás, e que terramoto de ilusões! O que parecia grande mede um palmo, o que julgávamos sólido abana, o que dava a impressão de voar, patinha. Incrédulos, esfregamos os olhos. Mas não há dúvida. Desacertos sobre desacertos, erros palmares, ingenuidades confrangedoras. O saco de viagem abarrotado de falências. E de nada vale perguntar se as coisas se poderiam passar de outra maneira. Os factos são irreversíveis.  No meu caso, então, só por milagre.
Miguel Torga in Diário X

O grande Torga onde cada palavra encontra a plenitude da sua beleza e enquadramento. Continua fascinante após cada visita! A emoção a vir à tona envolvida em palavras com sentido. De uma beleza única.

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