quarta-feira, 8 de maio de 2013

Um murro no peito



Lido logo pela manhã aqui. E qualquer coisa profundamente perturbadora e angustiante tomou conta de mim. 
A velha e sua demência

Perda da memoria, da consciência, eu já não sei em que dia estamos.  Uso sempre a mesma roupa, sem compreender quando falam que estou repetindo a peça.
Será que as pessoas pensam que enlouqueci?
Minha face demonstra isso, quando na raiva ou desespero minhas filhas e netos chamam-me para realidade. Realidade? Qual? A memória que parece despedaçar, desvenda entre linhas e faz aparecer diversas histórias em diferentes situações, e quem pode dizer que é mentira o que sentimos tão forte e acelera o coração?
Não é mentira para mim, que venho em anos tentando manter um sopro de sentido, pois já não sinto o tempo todo que envelheci, não estou segura de sair para longe, pois algo em meu peito diz que o caminho, eu não reconheço mais.
E a dor, a mesma dor que tão forte me tomou quando meu grande amor partiu, vem como uma navalha no peito todas as vezes que me dizem que você não vive mais. E eu já não lembro mais, já não sinto mais sua ausência, a dor continua, mas quando digo que permaneço a esperar, me tiram esse sentimento de esperança e colocam novamente uma navalha na boca, resultando em desespero e mais uma tentativa de fugir, porque ali, não me respeitam, me dizem coisas que não sei compreender. Pessoas colocam-me em uma cama vazia, de solteiro, um quarto que não parece com o da minha infância, nem da juventude, não me lembro dessas paredes quando estava casada, pois lembrar, eu não lembro exatamente de nada, mas sinto que vi você dizer que voltaria. Tenho ainda uma imagem na cabeça que isso ocorreria por volta das seis. É por isto que o pôr do sol me entristece, e preocupada estou, porque não era aqui que nos víamos, seria em casa. E, delicadamente, para apagar minha angustia eu pego o batom na bolsa, sem reconhecer que acabei de ganha-lo no bingo, sem saber quais são suas características semânticas, eu apenas passo nos lábios envelhecidos, pois sei que ainda sou mulher, isto não esqueci.
Mantenho viva a memória de procedimento e consigo ver meus lábios vermelhos no espelho, e quando você chega eu vejo que parece me conhecer, apesar de não saber seu nome, eu posso compartilhar algo intimo e digo: Estou ficando bonita para meu marido. Neste momento, neste exato instante, eu peço que não minta para mim, diga que posso espera-lo, diga que irei vê-lo, não confirme a realidade de que sua morte aconteceu, porque carregar a dor sem saber de sua origem é manter uma ferida no estômago.
E, como humanos sabemos que sofrer é algo terrível.
Neste pôr do sol, neste lugar estranho, eu e meu batom encontramos a verdade no outro. Quando você me diz: “Tudo bem vamos sentar lá fora e esperar o seu marido”, e pega na minha mão elogiando meu vestido, eu posso sentar e acalmar deixando que minha memória desvende sozinha outra linha do tempo, mas sem aquela dor no peito, sem aquela dor sem sentido. Pois a única coisa que quero é que acredite em mim, acredite na história da minha vida.
Walter Luis

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