Vi-a numa feira de velharias este Domingo! E soube que queria trazê-la. Leve, muito leve, pequena e delicada.
Regateei o preço e voltei com ela.
Já em casa, pela noite dentro, retirei-lhe o jornal que a cobria!
Era criança e o tempo trazia a Primavera. Tempo de Páscoa na aldeia, tempo de arrependimentos e de jejum purificador. À casa grande do Padre Samuel começavam a chegar os párocos das redondezas! Vinham com tempo e com espírito para as confissões intermináveis, obrigatórias por aquele tempo de modo a entrar na Páscoa com o coração puro.
A Mariazinha, sobrinha do padre e dona da ordem daquela casa grande, afadigava-se a fazer as camas e a ornamentar a mesa para que nada faltasse. Abria-se a mesa grande e as janelas deixavam entrar a luz acabando com a penumbra habitual que trazia o fresco àquela ala da casa. Os aparadores com portas de vidro deixavam antever a loiça fina usada nas grandes ocasiões.
E chegava o tempo de colocar na mesa, por entre as cavacas, os bolos finos, os mais saborosos licores, e tudo aquilo que ia chegando à casa grande, as chávenas chinesas finas e delicadas para o chá quente e retemperador depois de horas e horas de confissões de vidas duras e pobres onde não cabia o tempo ou o espaço para pecados mortais, que contrastavam com o negro das batinas e o ar pesado dos padres em convívio.
Chegavam os padres, batina preta, gasta e luzidia à frente reveladora de lautos almoços e de difíceis digestões!
Animados à mesa, no tempo de jejum, bebiam o chá e comiam cavacas porque era preciso retemperar e esquecer o confessionário, a vida dura, os pecados e a tristeza dos Homens sem história.
A minha alma de criança, agitada pela incongruência dos risos, das batinas pretas e do tempo da quaresma registava ecos que haveriam de ficar para a vida.
Outros tempos, grandes memórias!
2 comentários:
Que bonito, Eulália! A chávena e, acima de tudo, o texto :)
Um beijinho dos Açores,
Ilídia
Obrigada Ilídia. Um bom começo de ano!
Postar um comentário