Sábado Santo, pela tarde dentro, a minha mãe começava a fazer o arroz doce. Um tacho grande, leite gordo de boa qualidade, melhor ainda se fosse de ovelha e tivesse sido oferta dos pastores dos casais, laranjas, ovos, açúcar, arroz carolino e muita paciência. Pouco arroz para muito leite para que que ficasse cremoso. As gemas batiam-se e adicionavam-se no final com muito cuidado para não cozerem. Ia ao lume outra vez para engrossar.
Descansava então nas travessas fundas poisadas nos aparadores da sala. No dia de Páscoa estava divinal, coberto de canela a fechar um lauto almoço quase sempre de cabrito assado acompanhado de batatinhas vindas coradas do forno de lenha!
Jogava-se a "péla" pela tarde dentro. Neste dia, os adultos usurpavam este jogo de crianças e era vê-los em grandes competições em equipas pensadas ao pormenor. Riam-se as mulheres e galanteavam-nas os homens, certos de que a Primavera traria com ela novos amores e a esperança de dias de Verão longos e felizes.
A família toda junta esperava pela Cruz que, transportada pelo mordomo de opa vermelha e adornada com flores silvestres, entrava em nossa casa e era esperada à porta, com toda a solenidade, pelo meu pai.
Não sendo homem de frequentar assiduamente a Igreja, o meu pai transportava na alma um grande amor a Deus!
Hoje, fiz arroz doce num apartamento de Lisboa. Enquanto o fazia, vi a luz da tarde a entrar da cozinha da minha mãe, senti o garfo a bater as gemas e ouvi a minha mãe a pedir cuidado e calma para verter as gemas no arroz enquanto mexia energicamente para não solidificarem.
Rapei o tacho empregando os gestos sempre usados. Lambi a concha e rapei as cascas da laranja!
Espera-se agora pelo almoço de Pascoa! Desta vez, o cheiro dos lilases e das japoneiras do quintal substituído pela vista do rio com grandes veleiros que o cruzam amiúde.
A paisagem muda! Eu serei igual! Eu, as memórias e tudo aquilo que semeei nos corações dos que me amam.
Boa Páscoa!