domingo, 26 de abril de 2009

O Alma Grande


Quando há uns anos passei para as mãos do André a obra "Novos contos da montanha" de Miguel Torga apareceu, pouco depois, ao pé de mim muito sério:
- Mãe, este livro não é para a minha idade!
Tinha acabado de ler o conto "Alma Grande"! Majestaticamente escrito, brutal, como são todos os contos do Torga mas reflectindo aquilo que é o ser humano na sua essência, nas suas fraquezas, nos seus instintos, nos seus medos!
Tudo isto me lembra outros tempos e outras realidades e os mesmos seres humanos! Nas aldeias não havia funerárias. Os caixões eram feitos numa noite desde o momento em que se fechavam os olhos até ao toque dos sinais. Por isso, era necessário que o molde inicial estivesse já pronto para serem mais fáceis os acabamentos que variavam, em beleza e em durabilidade, conforme as posses do defunto!
Quando passava alguém mais quebrado pelo peso dos anos, ou alguém se queixava de doença sem cura, deitava-se um olhar silencioso, frio e avaliativo às dimensões do corpo para que fosse feito o molde de acordo com as estimativas. Começava de imediato a ser feito o miolo do caixão, sem que o interessado soubesse que, algures na aldeia, se construía a sua última morada! Assim, não havia surpresas quando esse corpo, ainda agora com vida, tivesse que encaixar, já frio, entre aquelas quatro tábuas!

Nenhum comentário: