terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Sentir o Natal


S. Martinho de Anta, 24 de Dezembro de 1962

NATAL

Um anjo imaginado,
Um anjo dialéctico, actual,
Ergueu a mão e disse: - É noite de Natal,
Paz à imaginação!
E todo o ritual
Que antecede o milagre habitual
Perdeu a exaltação.

Em vez de excelsos hinos de confiança
No mistério divino,
E de mirra, e de incenso e oiro
Derramados
No presépio vazio,
Duas perguntas brancas, regeladas
Como a neve que cai,
E breves como o vento
Que entra por uma fresta, quisilento,
Redemoinha e sai:

À volta da lareira
Quantas almas se aquecem
Fraternamente?
Quantas desejam que o menino venha
Ouvir humanamente
O lancinante crepitar da lenha?

in Diário - IX de Miguel Torga

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