Se ao cabo de quarenta anos de vida cada um de nós olhar para a sua intra-história, que vê ele? que são os fastos e as misérias da sua actuação pessoal que a memória assinala e retém. Que foi a abertura de um túnel na escuridão do mundo, para passar desacompanhado, que ocupou todas as suas horas significativas. Que não foram as guerras dos outros mas as suas, que lhe deixaram cicatrizes no corpo.
Como um cego, que embora levado pela mão de alguém, tacteia sempre o seu caminho, e o sente, e o vive, e o descobre, assim cada indivíduo terá de pisar a terra, solitário bandeirante das suas aventuras. Ninguém o pode ajudar, nem o pode tolher. A mãe que o pare e o coveiro que o sepulta é que limitam e condicionam a sua empresa. Mas entre as duas barreiras ele é uma semente que tem de se abrir e de se cumprir até ao último alento, desamparada entre as outras sementes que se vão abrindo a seu lado, na grande seara humana.
in DIÁRIO IV - Miguel Torga
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