Os sublinhados e os negritos são meus!!
Sei que, para os jovens de hoje, as coisas estão mais difíceis do que
para as gerações anteriores. Como, talvez, não se possam comparar fenómenos
que não são comparáveis, direi simplesmente que as coisas estão difíceis.
Muitos pensam que os jovens dispõem de tudo: estudos, dinheiro, diversões,
viagens, oportunidades ... Eu penso que lhes falta o mais essencial: o sentido
das coisas numa sociedade que se desumaniza. Não é fácil resistir à corrente
que nos arrasta, violentamente, para a competitividade, o individualismo, o
relativismo moral e o conformismo. Na sociedade em que vivemos, não é fácil
conseguir um lugar, sem afastarmos os outros às cotoveladas. Não é fácil
opor-se a quem tem algo para dar. Na altura em que têm de mostrar que valem
para alguém ou para alguma coisa, vêem-se condenados a uma corrida interminável
que acaba por conduzi-los ao desemprego.
Não sei quantos jovens de hoje subscreveriam as palavras de Camus:
"Não podemos pôr-nos ao lado dos que fazem a história, mas ao serviço dos
que a suportam". É mais fácil estar ao lado de quem pode distribuir prebendas, apoios,
emprego ou, simplesmente, sorrisos.
É preocupante ver como alguns jovens viram costas à
esperança, mergulhados em si mesmos, nada preocupados com os problemas das
pessoas e da sociedade. É preocupante ver que os que começam a caminhar já estão cansados da
viagem, fartos de si mesmos, sem vontade de melhorar o percurso da vida dos que
caminham a seu lado.
Nem toda a juventude assim é. Bem o sei. Há jovens entusiastas,
comprometidos, empenhados. Há jovens sensatamente optimistas e, ao mesmo tempo,
com um realismo empreendedor para melhorar as coisas.
Quero repetir, aqui, a mensagem que um ancião de 88 anos escreveu para
os jovens. Uma pessoa que, apesar de já ter percorrido um longo caminho semeado
de obstáculos, de tragédias e de dor, ainda mantém a esperança. Não de forma ingénua,
evidentemente.
Ernesto Sabato escreveu o seu testamento destinado à juventude. Foi Seix Barral quem o publicou, com o
título de Antes do Fim. Aos 88 anos, este doutorado em Física que abandonou
os seus trabalhos sobre radiações atómicas para se dedicar, a partir de 1945, à
literatura dirige-se aos que estão a iniciar
um projecto de vida. E fá-lo sem dogmatismos, com humildade. As primeiras
palavras da sua obra são significativas: "Tenho vindo a acumular muitas
dúvidas ... ".
Sabato constitui como destinatários do seu testamento moral os
adolescentes e os jovens. Delicada etapa da vida em que se busca, ansiosamente,
o sentido das coisas. Também se dirige aos idosos que, olhando para trás, se
interrogam se terá valido a pena tanta dor, tanto caminho .. "Sim, escrevo
isto "- diz Sabato -" sobretudo para os adolescentes e jovens, mas
também para os que, como eu, nos aproximamos da morte, e nos perguntamos com
que finalidade e por que razão vivemos, aguentámos, sonhámos, escrevemos,
pintámos ou, muito simplesmente, empalhámos cadeiras".
Disse Camus: "Existe apenas um único problema filosófico verdadeiramente
sério: o suicídio. Decidir se a vida vale ou não a pena ser vivida é responder
à pergunta fundamental da filosofia". Todas as perguntas acabam por nos
conduzir a esta pergunta central que tem as suas raízes no coração humano.
Sabato não é um ingénuo. Não é um cínico. Construiu, com dor, um pequeno
monte do qual se vislumbra a esperança. Muitas vezes se debruçou sobe o
profundo poço do suicídio. E encontrou em si mesmo e nos outros uma réstia de
esperança que o ajudou a continuar o caminho.
As últimas palavras do seu testamento para os jovens são esclarecedoras:
"Só os que forem capazes de encarnar a utopia estarão aptos para o
decisivo combate, o de recuperar quanto de humanidade já perdemos".
Interroga-se Sabato, como já fizera antes em algumas das suas obras,
sobre o sentido da pessoa na crise do nosso tempo. Estremecemos ao ler algumas
das suas páginas (sobretudo o capítulo intitulado "A Dor Faz Parar o
Tempo"). Como é possível manter a esperança no meio de tantos desastres,
tanta miséria, tanta crueldade, tantos maus presságios?
O mais aberrante, talvez, é a desproporção da violência a que estão
expostas as crianças. As torturas, a exploração, a venda, o abandono de
crianças parece dar razão a Nietzsche, quando dizia:
"Os valores já não valem" .
O filósofo Fernando Savater encerra a sua interessante obra As Perguntas da Vida com este poema de
Heinrich Heine: "E não deixamos de interrogar-nos uma e outra vez;! até
que um punhado de terra/ nos cala a boca.! Mas, será isto uma resposta?".
Num mundo que se desumaniza, há que pensar, com Goethe, que "a
humanidade acabará por triunfar". E uma boa parte desse triunfo está nas
mãos da juventude.
A comunidade caminha para a Utopia. Está em Utopia. É como a personagem da seguinte história. Era uma vez, há centenas de anos,
um homem que, uma noite, caminhava pelas escuras ruas duma cidade do Oriente,
com uma lâmpada acesa. Encontra-se com um amigo que, surpreendido, lhe
pergunta:
- Que fazes tu, que és cego, com uma lâmpada acesa nas
- ?
maos ....
Responde o cego:
- Não levo a lâmpada para poder ver o meu caminho. Conheço as ruas de cor
em plena escuridão. Levo esta luz para que os outros, quando derem comigo,
possam descobrir o seu caminho.A esperança radica na ajuda mútua, na justa convivência, na s(
lídariedade. Li numa parede da cidade de São Salvador de Jujuy es1 grafito:
"Somos anjos com uma asa. Precisamos de nos abraçar para poder voar".
Miguel Santos Guerra. No coração da Escola.
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