sábado, 9 de abril de 2016

Não posso deixar de partilhar

À procura de bibliografia e de ideias para o meu trabalho encontro este texto maravilhoso de um grande pedagogo - Miguel Angel Santos Guerra.
Os sublinhados e os negritos são meus!!



Sei que, para os jovens de hoje, as coisas estão mais difíceis do que para as gerações anteriores. Como, talvez, não se possam com­parar fenómenos que não são comparáveis, direi simplesmente que as coisas estão difíceis. Muitos pensam que os jovens dispõem de tudo: estudos, dinheiro, diversões, viagens, oportunidades ... Eu penso que lhes falta o mais essencial: o sentido das coisas numa so­ciedade que se desumaniza. Não é fácil resistir à corrente que nos arrasta, violentamente, para a competitividade, o individualismo, o relativismo moral e o conformismo. Na sociedade em que vivemos, não é fácil conseguir um lugar, sem afastarmos os outros às cotove­ladas. Não é fácil opor-se a quem tem algo para dar. Na altura em que têm de mostrar que valem para alguém ou para alguma coisa, vêem-se condenados a uma corrida interminável que acaba por con­duzi-los ao desemprego.
Não sei quantos jovens de hoje subscreveriam as palavras de Camus: "Não podemos pôr-nos ao lado dos que fazem a história, mas ao serviço dos que a suportam". É mais fácil estar ao lado de quem pode distribuir prebendas, apoios, emprego ou, simples­mente, sorrisos.
É preocupante ver como alguns jovens viram costas à esperança, mergulhados em si mesmos, nada preocupados com os problemas das pessoas e da sociedade. É preocupante ver que os que começam a caminhar já estão cansados da viagem, fartos de si mesmos, sem vontade de melhorar o percurso da vida dos que caminham a seu lado.
Nem toda a juventude assim é. Bem o sei. Há jovens entusiastas, comprometidos, empenhados. Há jovens sensatamente optimistas e, ao mesmo tempo, com um realismo empreendedor para melhorar as coisas.
Quero repetir, aqui, a mensagem que um ancião de 88 anos es­creveu para os jovens. Uma pessoa que, apesar de já ter percorrido um longo caminho semeado de obstáculos, de tragédias e de dor, ainda mantém a esperança. Não de forma ingénua, evidentemente.
Ernesto Sabato escreveu o seu testamento destinado à juven­tude. Foi Seix Barral quem o publicou, com o título de Antes do Fim. Aos 88 anos, este doutorado em Física que abandonou os seus tra­balhos sobre radiações atómicas para se dedicar, a partir de 1945, à literatura dirige-se aos que estão a iniciar um projecto de vida. E fá­-lo sem dogmatismos, com humildade. As primeiras palavras da sua obra são significativas: "Tenho vindo a acumular muitas dúvidas ... ".
Sabato constitui como destinatários do seu testamento moral os adolescentes e os jovens. Delicada etapa da vida em que se busca, ansiosamente, o sentido das coisas. Também se dirige aos idosos que, olhando para trás, se interrogam se terá valido a pena tanta dor, tanto caminho .. "Sim, escrevo isto "- diz Sabato -" sobretudo para os adolescentes e jovens, mas também para os que, como eu, nos apro­ximamos da morte, e nos perguntamos com que finalidade e por que razão vivemos, aguentámos, sonhámos, escrevemos, pintámos ou, muito simplesmente, empalhámos cadeiras".
Disse Camus: "Existe apenas um único problema filosófico ver­dadeiramente sério: o suicídio. Decidir se a vida vale ou não a pena ser vivida é responder à pergunta fundamental da filosofia". Todas as perguntas acabam por nos conduzir a esta pergunta central que tem as suas raízes no coração humano.
Sabato não é um ingénuo. Não é um cínico. Construiu, com dor, um pequeno monte do qual se vislumbra a esperança. Muitas vezes se debruçou sobe o profundo poço do suicídio. E encontrou em si mesmo e nos outros uma réstia de esperança que o ajudou  a continuar o caminho. As últimas palavras do seu testamento para os jovens são esclarecedoras: "Só os que forem capazes de encarnar a utopia estarão aptos para o decisivo combate, o de recuperar quanto de humanidade já perdemos".
Interroga-se Sabato, como já fizera antes em algumas das suas obras, sobre o sentido da pessoa na crise do nosso tempo. Estreme­cemos ao ler algumas das suas páginas (sobretudo o capítulo intitu­lado "A Dor Faz Parar o Tempo"). Como é possível manter a espe­rança no meio de tantos desastres, tanta miséria, tanta crueldade, tantos maus presságios?
O mais aberrante, talvez, é a desproporção da violência a que estão expostas as crianças. As torturas, a exploração, a venda, o abandono de crianças parece dar razão a Nietzsche, quando dizia:
"Os valores já não valem" .
O filósofo Fernando Savater encerra a sua interessante obra As Perguntas da Vida com este poema de Heinrich Heine: "E não dei­xamos de interrogar-nos uma e outra vez;! até que um punhado de terra/ nos cala a boca.! Mas, será isto uma resposta?".
Num mundo que se desumaniza, há que pensar, com Goethe, que "a humanidade acabará por triunfar". E uma boa parte desse triunfo está nas mãos da juventude.
A comunidade caminha para a Utopia. Está em Utopia. É como a personagem da seguinte história. Era uma vez, há centenas de anos, um homem que, uma noite, caminhava pelas escuras ruas duma ci­dade do Oriente, com uma lâmpada acesa. Encontra-se com um amigo que, surpreendido, lhe pergunta:
- Que fazes tu, que és cego, com uma lâmpada acesa nas
- ?
maos ....
Responde o cego:
- Não levo a lâmpada para poder ver o meu caminho. Conheço as ruas de cor em plena escuridão. Levo esta luz para que os outros, quando derem comigo, possam descobrir o seu caminho.A esperança radica na ajuda mútua, na justa convivência, na s( lídariedade. Li numa parede da cidade de São Salvador de Jujuy es1 grafito: "Somos anjos com uma asa. Precisamos de nos abraçar para poder voar".

Miguel Santos Guerra. No coração da Escola.

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